sexta-feira, 21 de outubro de 2016

VOCÊ SE OLHA, MAS NÃO SE ENCARA.

CANSADA DOS ESPELHOS.

Naquela manhã ela acordou, porém, não despertou. Ao realçar sua maquiagem em frente ao espelho olhava, mas não conseguia se encarar. De repente, quis acreditar que ainda era a pessoa da noite anterior. De uns tempos para cá, cada manhã, antes de ir trabalhar era um inferno, ou seja, o dia prometia muitas preocupações.

Ela deu um jeito de cobrir todos os espelhos de sua casa, assim só restava o do toilette por insistência do seu marido.

O espelho tinha sido motivo de incômodo, de algum modo o espelho estava sendo sincero demais com ela. No máximo conseguia mirar numa parte do seu corpo, fosse a boca para retocar o batom ou os olhos para realçar o rímel. Jamais se ver de corpo inteiro, pois o senso de inteireza lhe faltava.

A verdade é que aquela mulher sempre acreditou ser o que os outros disseram que precisava ser. Nesse redemoinho emocional ela reforçou suas frágeis certezas. Assim sendo, parecia cada dia ser uma pessoa diferente. Atualmente, ela gostava de rock, porém, não faz muito tempo, se esbaldava na gafieira.

Exibia seu status de mulher casada, mesmo colecionando mais momentos infelizes e se sentindo mais sozinha do que nos tempos de sua solteirice. As amizades de hoje não exalavam o cheiro da inocência e cumplicidade de sua infância.

Longe de si mesma colecionava uma existência de faz de conta.

A aparência provocou um eclipse em sua essência, isto é, tinha sido violentada por um ego que era servo da conveniência social.

De repente, estava cansada de usar o verniz da “mulher feliz”.

Em síntese percebeu não ter raízes, logo parecia ter crescido de cima para baixo.

A sua profissão lhe dava orgulho, por isso em qualquer oportunidade de preencher um formulário, sacava da bolsa sua identidade profissional para assegurar o ela tinha dúvidas, ou seja, sua importância e relevância enquanto indivíduo. De fato, apesar de todo orgulho e o status profissional, o tempo de sua aposentadoria estava avizinhando bem mais rápido do que ela desejava.

Afinal, tudo que ela gostava, possuía ou se realizava, estava com os dias contados. Ela nunca percebeu que havia uma distância entre o que ela era de verdade e sua autoimagem-ego. O espelho interno era sua consciência, na impossibilidade de cobrir este, contentava-se em brigar com os espelhos de sua casa.

Ela era o que acreditava ter, seja o diploma, a faculdade, o casamento, os gostos, as preferências, as amizades. Porém, ela precisava existir sem a exigência de ter adereços do mundo adulto.

O que mais lhe irritava era a frase:

Você tem tudo!

Durante muito tempo também acreditou salvar “todo mundo” de problemas. Uma espécie de esteio familiar.

Na verdade, que quase toda mulher possui o ímpeto de cuidar e proteger a coletividade.

Experimente observar uma mãe com seu filho e um pai na hora da refeição e não estranhe se a mulher desligar o botão de sua fome em prol dos filhos. A mulher tem, o desejo intenso de acolher e cuidar. Talvez seja por isso que algumas mulheres escolhem homens vulneráveis, que não sabem cuidar de si mesmos e, depois de certo tempo, aquele homem torna-se seu filho.

Aquela mulher não acreditava que tinha a idade que constava em sua certidão de nascimento. Ela conversava consigo mesma:

-As pessoas não me conhecem mesmo!

-Não sou tudo que eles imaginam!

A mulher não gostava de pessoas que lhe bajulassem, assim de alguma forma as pessoas que aplaudiam sua casca emocional não eram prestigiadas em seu íntimo. De alguma forma, de uns tempos para cá, aquela mulher começou a se aproximar de pessoas que não possuíam ligação com seu universo exterior.

Na verdade, queria aproximar-se tão somente de si mesma. As pessoas estranhas eram atalhos, ou melhor, a aproximação era um gesto de honestidade pessoal de procurar fazer as pazes com sua essência.

Ela precisava ser ela mesma, então, cansada de representar, ia começando a não sentir mais vergonha de ter preguiça, contrariar expectativas, dizer não, de ser tão responsável. A ideia era ir ao encontro ao que ela sempre foi, para recuperar e libertar “a criança interna” que foi convencida a crescer antes do tempo.


MARCOS BERSAM
PSICÓLOGO
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