Como você tem beijado?
Apesar de ter
sempre ouvido que a greve tradicional não surte tanto efeito como em tempos áureos, definitivamente, você, não entendia o que tinha acontecido com sua
boca; assim divorciada das emoções, desconexa do corpo, entrincheirada no
tédio, claro, na hora decisiva deixava você na mão.
O problema maior era que
tal greve não tinha mais uma pauta de reinvindicações emocionais, de certa
forma ela começou a pensar que não tinha direitos assegurados pela
constituição do desejo. Sem saber qual sindicato à representava, que categoria
pertencia, assim não conseguia sentar na mesa de negociação, ou melhor, na
cama, para fazer uma contraproposta. Sem saber ao certo o que acontecia e mesmo
com a sensação de estar perdida, parece que o motim tinha espalhado pela
fábrica dos sentimentos.
Então, em meio a um silêncio e imobilismo cortante, a
boca do seu parceiro ficava também paralisada, num misto de espanto você ficava
atônita, pois a linha de produção não conseguia mais produzir beijos.
Observando um
pouco mais atentamente parecia que a boca era apenas o reflexo de outras coisas
que também estavam em greve, não era só o beijo que não acontecia, quando ele
teimava em dar as caras acontecia depois do café da manhã na pressa para ir
trabalhar. De forma medíocre, com gosto de margarina você sentia saudade do
gosto da saliva. Ah! Como você sentia saudades daquele tempo que você sabia
beijar, embora não tenha tido muito tempo quando você era uma excelente
beijoqueira. Atualmente, você fica em dúvida se sabe ainda beijar.
O fechar dos olhos é apenas o ritual para o beijo suplicar a
gratidão de estar vivo, numa espécie de oportunidade de imobilizar o universo.
Os amantes sempre querem parar o tempo, como não conseguem fecham os olhos para
não serem testemunhas de que o mundo continua a girar lá fora. No entanto, a tv
pendurada no quarto, o inferno do celular ao lado do travesseiro, onde acendiam luzes
em faces entristecidas pelo apagar da chama da paixão. O beijo não podia
acontecer na alcova que ,nos últimos tempos, tinha se tornado uma repartição
pública enfadonha, logo a boca tinha que ir para cama e contentar-se com o analgésico pastoso, em
forma, do creme dental de menta.
Marcos Bersam
Psicólogo clínico
32-98839-6808
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