quinta-feira, 4 de outubro de 2012

QUANDO SER BONZINHO DEMAIS COM A MULHER É TOLICE.




Divã alinhado na posição costumeira e minha poltrona bem confortável me permite despojar meu corpo e afrouxar minha atenção. Estou falando da velha atenção flutuante recomendada por Freud, isto é,nesse ínterim que nós terapeutas tentamos entrar na mesma sintonia que o inconsciente do outro deseja se comunicar. A fala do cliente está impregnada de uma lamentação irritante; o mesmo está incrédulo diante do rompimento de sua noiva. Ele falava tentando entender como pode acontecer o noivado esfacelar-se; estava tudo acertado. Apartamento escolhido, móveis encomendados e projeto gráfico do convite em andamento. É bem verdade, que a respiração diafragmática do cliente, apontava elevado nível de ansiedade; depois que o pulmão recobrou a consciência de sua função visceral as cordas vocais formaram a frase que teimava em sair: "EU FIZ TUDO POR ELA!" .,Numa tentativa de entender melhor tal assertiva, perguntei, pontuei e sumarizei o discurso; haja vista que pressentia que o mesmo tinha dado como certo que eu havia entendido o que ele estava a dizer. A expressão "TUDO"era uma incógnita naquele discurso; quem sabe, estivesse querendo dizer "perfeito", completo; pleno. Naquele instante me lembrei de Fernando Pessoa "Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos, se a tivéssemos .O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito." Na verdade essa afirmação é recorrente não só num processo terapêutico, entretanto,  tangencia qualquer conversa de fim de noite; ou de mesa de bar. De modo geral, essa frase é dita por aqueles que sempre se sentiram inferiorizados na relação; olha você deve concordar comigo que quando estamos inseguros e atravessados pela sensação de menos valia deixa-se de lado o pouco que resta de minha autoestima para alavancar a realização do desejo alheio. Então ter feito tudo por ela foi o atalho encontrado para esquecer-se de si mesmo; talvez para diminuir a sensação iminente da perda. E por conseqüência NÃO TER FEITO NADA POR MIM. Então nessa falta de medida acaba-se anulando em prol do seu parceiro ou namorado. Nessa tentativa de fazer tudo nos esquecemos de nos fazer interessantes e sermos conquistados também. Na verdade você deve se perguntar : Se ao fazer tudo você não está também tentando, não deixar a realidade se fazer presente na relação? É muito comum esse tipo de pessoa se sentir culpado por não ter adivinhado o que o outro queria. Então tudo é demais para alguém que está numa relação limitada pela própria condição humana. O dia que você por algum motivo, não conseguir ser esse tudo, talvez seja visto como o NADA; então incorporar as vestes do humano; da limitação e da falta faz bem pra qualquer relação. Então fazer tudo é o primeiro passo para o enfado; até porque sabemos  o que move o humano é a falta. É sabido que é importante , sim,  fazer pelo outro, porém quando fazemos pelo outro de um modo que aquilo não nos custe o aniquilamento, quando faço por amor minha memória entra em colapso e não tem a necessidade de lembrar-se dos feitos de outrora; ou seja, o famoso “jogar na cara”. Quando eu faço "TUDO" pelo outro , é porque assumo a condição de violar minhas limitações. Não precisamos fazer tudo, até porque o outro não nos pede isso. Quando ajo assim, coloco em xeque minhas limitações, contraio uma dívida comigo mesmo.   Sinto-me violentado e usurpado na minha condição de sujeito. E não demora muito vem à decepção de mãos dadas com amargura, e bate a porta da consciência, quando aciona a memória num ato tardio e desesperador de cobrança do que foi feito mais por medo do que por amor.

Dr.Marcos Bersam

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