domingo, 24 de julho de 2011

ENXERGAR DE LONGE


Às vezes as coisas são vistas melhor de longe.

As ferramentas ali no chão quase conseguiam falar de sua exaustão e cansaço de um dia de muita labuta; os ponteiros do relógio já alertava que o expediente daquele dia podia ser encerrado sem maior cerimônia. O silêncio daquele momento só foi cortado pelo barulho da água que teimava em lavar com esmero as ferramentas para o dia seguinte. De forma abrupta interrompido por um comentário inesperado. Olhe lá no alto; aonde? Lá longe aquela casa do lado esquerdo da antena de celular; depois de um pequeno esforço para situar todos conseguimos ver o que ele nos apontava; tratava-se de uma casa sem reboco que exibia suas paredes emolduradas por andaimes. Tratava-se de uma casa em construção a aproximadamente uns 600 metros; nossa posição privilegiada permitiu que o observador atento apontasse de imediato o defeito no alinhamento da parede; ou seja, podíamos ver de longe como a parede recém erguida estava fora de prumo ou esquadro. E ele assegurou certos defeitos são vistos só de longe. E daí pensei: é verdade vejo sempre isso no meu consultório. Tal como a parede desalinhada chamou a nossa atenção; é bem provável que o dono daquela obra não tenha notado tal falha; pois para olhar com nossos olhos o mesmo teria que se colocar no nosso ponto de vista. Então muitas vezes nos relacionamentos familiares ou conjugais não enxergamos as discrepâncias incoerências de nossas condutas. Então quando estamos mergulhados na situação ficamos embotados em nossa percepção; dizem que o pio cego é que não quer ver; não acredito que o verbo mais adequado seja querer; mas sim poder. Querer implica responsabilidade; desejo e vontade já poder é uma condição que independe da razão; ver sem se esforçar talvez seja o ideal e para isso nada melhor que nos afastar do defeito. Quando nos colocamos distante o defeito sinaliza para nós de modo escandaloso. Ou seja, como querer ver algo que não podemos; não temos condições de ver algo que muitas vezes nos machuca; remete-nos a nossa covardia; injustiça ou falência existencial. Então é verdade precisamos nos distanciar; e isso reflete a necessidade ora de permitir o tempo nos proporcionar fazer outra leitura; ou seja, com o passar do tempo temos condições de rever nossos erros com mais eficiência; então o tempo nos oferece óculos com lentes mais possantes para vermos aquilo que não enxergávamos. Só mais tarde entendemos que nossos filhos foram poupados do senso de responsabilidade; que aquela relação já não estava satisfatória; que fomos omissos quando podíamos ser diferentes. O psicólogo é o profissional que se propõe ver de fora; o terapeuta é aquele que vê onde você não consegue; faz pontuações; uma releitura do que lhe parece familiar e, portanto perfeito. Interroga; questiona, aponta; acalenta; ampara ; encoraja; e nessa ciranda de condutas faz o sujeito experimentar se ver diferente . Quando temos problemas teimamos em pedir conselhos dos que estão tão envolvidos quanto nós na situação. E ai a ajuda é tendenciosa; preconceituosa; e interesseira. Então quando vemos de fora; vemos o conjunto; a harmonia; ou falta dela no todo. O desajuste e a falta de equilíbrio chega a doer nos ouvidos que muitas vezes vêem o que os olhos não enxergam. Ser psicólogo é convidar o outro e se aventurar a ver sob um novo prisma; a terapia te convida a sair da obra; pois afinal somos uma eterna obra inacabada; pois só de lá e um pouco mais afastado conseguimos ver melhor; tal como o pedreiro no seu comentário inocente deixou escapar uma grande verdade psicológica também: De longe da pra ver melhor .

Marcos Bersam

Psicólogo clínico

2 comentários:

  1. De longe é sempre mais fácil....Lindo texto Marcos,bjão!

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  2. muito obrigado pelo carinho e o incentivo permanente. bjs
    e uma ótima semana.

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