terça-feira, 15 de março de 2011

PESSOAS INDIGESTAS


Confesso a minha meia dúzia de leitores que às vezes sinto que minha já combalida carreira de escritor está chegando ao fim; pois tal raciocínio advém da ausência de insights interessantes, sinto de modo recorrente o esmaecer de minhas inspirações de outrora. Envolto nessa prostração literária não conseguia eleger algo que merecesse ser abordado. Então quando já estava sem a menor pretensão de encontrar algo foi que saltitou em minha frente à inspiração; vou explicar melhor. Sempre procurei desligar a chave geral de Psicólogo; ou seja, procuro e devo conforme manda a cartilha profissional deixar o olhar clínico de psicólogo confinado apenas em meu consultório; quero dizer que sei que é um saco o sujeito ser profissional o tempo todo. Estou falando daqueles sujeitos que teimam em levar consigo a profissão para os momentos de entretenimento. Há muito tempo sou defensor do estar psicólogo; ou seja, desempenhar meu papel apenas no setting analítico. Mesmo sendo adepto dessa filosofia; outro dia após vários atendimentos lembrei que seria bom espairecer e fui convidado por alguns amigos a uma roda de samba. Estou lá certo que tinha desligado o disjuntor, a tomada; de Psicólogo. Entre uma conversa e outra sobre as amenidades do dia a dia com amigos eis que sinto uma pontada no ouvido direito que reverberou por todo meu ser. Uma sensação de estranheza e mal estar súbito me invadiu; e sei que isso acontece quando não desligo a chave do ser Psicólogo e aí meus amigos já era tarde para executar qualquer manobra para sabotar a escuta que uso enquanto psicólogo. Calma vou explicar melhor, estou falando que esse mal estar foi causado por um sujeito que havia chegado a mesa em que estava; ele estava contando quanto custou seu carro para uma jovem e logo depois começou a enumerar o limite do cartão de crédito; o que fazia; onde trabalhava e não demorou muito revelou também como era grande sua granja. Impressionante como a idiotice e a boçalidade ladeavam aquele rapaz. Então o ser psicólogo me obrigou a ouvir aquele discurso pronto e ensaiado e percebi o quanto ele deixava de falar o que mais interessava. Aquele rapaz tornara-se refém de sua insegurança existencial; se protegendo atrás da posse e do status do ter. Tem pessoas que não perdem a oportunidade de ostentarem o que tem; com intuito de se afirmarem perante o outro. Confesso a vocês que cheguei num ponto que isso me enoja. Então tome cuidado para não se encantar com esse discurso; aproveite a oportunidade para se afastar; pessoas assim estão mergulhadas num narcisismo patológico; vivem a perspectiva da conquista permanente e você em breve se tornará apenas mais um troféu a ser exibido. Pessoas assim não conseguem se relacionar com sua essência. A hipocrisia não fornece subsídio existencial para a pessoa se apresentar pelo que é; o ter esmaga o ser. Essas pessoas estão alicerçadas na materialidade efêmera. Os valores e as virtudes que subsidiam a paz interior do sujeito não estão presentes na vida dessas pessoas. O que conta é opinião alheia e as regras sociais. A atmosfera mental desses indivíduos é enfadonho e cheio de soberba. Então fique vigilante a esse comportamento infantilizado de exibir o ter; recolha-se a ouvir mais e falar com sabedoria. Sempre tendo a certeza de que vangloriar-se do ter é muito limitado e raso; então para nos imunizar dessas pessoas indigestas que tal começarmos a nos questionarmos se temos alguma semelhança com esse jeito bossal de ser, ou seria forma de ter?

Dr. Marcos Bersam

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